Sobre nós, os pequenos e
sem importância
João
Batista Freire
Pode parecer quase nada uma aula dada a trinta e cinco
crianças em uma pequena escola pública de uma cidade do interior. O que isso
mudaria em um país tão grande? Pode parecer pequeno e sem importância se
comparado às grandes e sérias decisões econômicas de ministros ou às tramas
políticas de parlamentares. Pode parecer muito pequena e mesmo sem nenhuma importância
uma simples aula de educação física dada para crianças de pés descalços em um
desses sertões brasileiros, comparativamente aos tão respeitados trabalhos de
pesquisa nos laboratórios das grandes universidades. E o que dizer do árduo
trabalho de lavrar um pedacinho de chão para produzir o sustento da família e
alguma sobra para vender na feira de qualquer interior deste país, se isso for
comparado às decisões altamente técnicas e decisivas tomadas pelos bem trajados
executivos de nossas grandes empresas? Pode parecer tão sem importância as
reuniões em família para discutir a comida ou a escola dos filhos, diante das
reuniões ministeriais que decidem os destinos do Brasil!
Mas olha que, na verdade, a nossa tão humilde aula não é
tão desimportante assim, e não tem menos importância que as grandes decisões
econômicas ou as tramas políticas. Aquela aula em que trinta e cinco crianças
correm atrás de uma bola na escola do interior não é menos importante que uma
pesquisa científica. O trabalho de lavrar a terra não perde em importância para
as decisões dos nossos elegantes executivos. E as reuniões feitas em família
para decidir sobre a escola ou sobre a economia da casa não são menos
importantes que as reuniões ministeriais.
Essas coisas que parecem tão pequenas não são tão
pequenas assim, porque são grandes demais para muita gente que depende delas, e
são grandes demais quando juntadas em um país todo. Porque essas coisas
pequenas são coisas pequenas de milhões e milhões de pessoas, e formam um
conjunto tão grandioso que são capazes de mudar um país inteiro. E mais do que
isso, não só são apenas capazes, como mudam mesmo um país a cada momento, o
tempo todo. Essas coisas pequenas são, boa parte das vezes, o melhor que cada
pessoa que parece pequena é capaz de fazer; e quando juntamos o melhor de cada
pessoa multiplicado por milhões, o resultado é muito grandioso, mais até do que
muitas grandes decisões que podem ser decisões erradas tomadas por pessoas que
nem sempre dão o melhor de si para algum bem comum.
Isso não quer dizer que gente que parece pequena não faz
coisa pequena mesmo, sem nenhuma importância; tem muita gente pequena ruim.
Sim, claro que sim, porque as coisas que têm importância só são aquelas que
fazem bem, que se dirigem ao bem pessoal ou ao bem comum, mas ao bem mesmo, não
ao desperdício, não ao luxo, não a qualquer coisa corrosiva. E olha que, entre
essa gente pequena aparentemente sem importância há muita, mas muita coisa
feita pensando só no bem, só naquilo que faz bem para a própria pessoa ou para
grupos de pessoas. É um mundaréu de gente fazendo isso o tempo todo. Por que
motivo isso seria pequeno e sem importância então? Pois a China e a Índia não
são potências porque possuem mais de bilhão de pessoas fazendo seu trabalho
aparentemente pequeno e sem importância? Ou a China e a Índia são assim
importantes por causa só dos seus dirigentes? O Brasil também, com seus
duzentos milhões é do mesmo jeito; quem de fato faz este país ter importância,
ter valor, é o trabalho desse mundo de gente boa e simples trabalhando seu
trabalho aparentemente pequeno e sem importância. Esse jeito pequeno e sem
importância que costumamos ter é só um disfarce do tão grande e importante que,
de fato, somos.
Uma última palavrinha, e é sobre a consciência.
Consciência não tem medida, mas eu quero criar uma para ela. Vamos medi-la em
gramas, só para usar neste texto. Imaginem se nesse trabalho todo dessa gente
pequena e sem importância a gente pudesse acrescentar de vez em quando uma
graminha de consciência. Isso seria um problema da educação e dá um trabalho
danado, mas é isso que faz a educação valer a pena. Pois bem, se a gente
pudesse acrescentar sempre essa graminha a mais de consciência calculem como
aumentaria a importância dessa gente pequena e sem importância.
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