sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Quem são os nossos donos



            Nossos donos são aqueles que destroem os nossos rios, enchendo-os de lama, e depois, nós ainda beijamos seus pés porque eles fazem isso para nos dar os empregos que usamos para morar no meio da lama e comprar alguma comida.
            Nossos donos são aqueles que nós elegemos para fazer os cambalachos que corrompem a alma de nosso país. Às vezes, quando os elegemos, são humildes trabalhadores, mas logo enlouquecem com a visão do poder e do dinheiro, deixam de ser nossos amigos e se tornam amigos dos outros nossos donos, gente poderosa e endinheirada. E o humilde trabalhador que era nosso amigo logo vira nosso dono.
            Nossos donos são donos de televisão, de jornal, de internet, e são eles que dizem como devemos pensar e agir. Eles nos transformam em pessoas odientas e agressivas e nos fazem odiar as coisas que já amamos muito um dia.
            Nossos donos são aqueles que nos deixam doentes e vendem os remédios para curar essas doenças que eles inventaram.
            Nossos donos são aqueles que fazem as coisas ficarem muito caras e nos dão empregos para pagar as coisas caras que eles produzem. São eles que dizem o que temos que comer, como temos que plantar, como temos que colher.
            Nossos donos são aqueles que vendem as nossas praias, as nossas terras, os nossos campos, e nos fazem morar em lugares apertados, muito caros, mas que achamos que é barato e grande, e até agradecemos a oportunidade que nos dão de morar.
            Nossos donos são aqueles que nos emprestam dinheiro e a gente até se surpreende com sua bondade, porque nunca param de nos emprestar dinheiro, por mais que a gente deva a eles.
            Nossos donos são aqueles que nos educam para acreditar que não se deve viver em liberdade, porque viver em liberdade dá muito trabalho e é melhor ter sempre alguém que decida as coisas por nós.
            Nossos donos são aqueles que nos permitem viver e até escrever estas coisas.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Sobre nós, os pequenos e sem importância - Parte 2



Sobre nós, os pequenos e sem importância – Parte 2
                                                                                   João Batista Freire
                                                          
            Gosto muito de conversar com motoristas de táxi. Sábado passado estava eu a conversar com um deles, vindo do aeroporto de Maceió para o hotel, quando vimos uns meninos, no semáforo, se oferecendo para limpar os vidros dos carros em troca de um troco. Quando o sinal deu verde e saímos comentei dos pequenos e sua pouca importância para o mundo, e arrematei para o taxista: se você quiser ganhar dinheiro, tem que tirar de quem é pobre, pois é o pobre que tem dinheiro. Está vendo esse menino aí, apontei, quando ele juntar um dinheirinho vai correr ao boteco e pedir uma Coca-Cola. A empresa vai ganhar dele talvez dez ou vinte centavos. Parece pouco, mas os meninos pobres não são poucos, são milhões, bilhões, cada um contribuindo com seus dez centavos para a riqueza do rico. E o rico sabe de onde vem o dinheiro, sabe como é difícil explorar rico, e sabe como é fácil explorar pobre.
            Assim somos todos nós, o povo que soma a pequena classe média e a pobreza. Se a gente aprendesse a ensinar coisas boas para essa criançada, um pouquinho que fosse daria uma riqueza danada de conhecimentos, poderia mudar o mundo. E nós, humildes e pequenos professores, tão sem importância, se tornássemos nossas aulas de amanhã um pouco melhores que as de hoje, seria um mundão de aulas melhores, porque somos pequenos e sem importância, mas somos muitos, somos quase toda a população do mundo.  
            Nós, os pequenos e sem importância, nem sabemos a importância que temos. Nossas aulas, com o poder de mudar o mundo, mantém o mundo sempre igualzinho, do jeito que os donos do mundo gostam.
            Na nossa salada falta um tempero chamado consciência.

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Educar



Educar
                                                                                   João Batista Freire

            Educar não é fácil ou difícil, não se trata de discutir isso, porque educar é inevitável. Pelas características do ser humano, nascido frágil por sua estrutura morfológica, incompleto, inacabado, só a educação pode salvá-lo das dificuldades pelas quais passaria valendo-se apenas dos recursos naturais. A educação provê o ser humano do arcabouço cultural capaz de aumentar suas chances. Portanto, não está ao nosso alcance decidir se vamos ou não educar o homem; desde que passa a ter contato com a cultura humana, logo ao nascimento, ele começa a ser educado.
            É tão importante a educação no homem que as instituições tomaram a si o encargo de educá-lo de forma sistemática, definindo os conteúdos que ele deveria aprender e, de modo um tanto mais difuso, definindo também os métodos de ensino.
            Todas as sociedades educaram seus habitantes, da mais humilde aldeia às maiores metrópoles. Além das instituições, todos os meios de comunicação influenciam na educação humana. Portanto, cada qual ao seu modo, instituições públicas e privadas, meios de comunicação, arte, esporte, etc., sempre participaram da educação dos humanos.
            Trata-se, isso sim, de discutir para onde vai a educação, ou que rumo devemos dar a ela para formar cidadãos. Nas sociedades fechadas, como as ditaduras, não há dúvidas quanto a isso: as pessoas devem ser educadas para servir o Estado, nunca para serem autônomas, questionadoras, críticas. Seria impensável na sociedade alemã nazista uma educação democrática. Nas sociedades religiosas, geralmente regimes fechados como as ditaduras, também não há dúvidas: as pessoas são educadas para atenderem as palavras sagradas, as profecias, as verdades divinas. Nas aldeias mais remotas educa-se pessoas para manterem as tradições, para caçarem, plantarem, pescarem, darem conta da sobrevivência diária. Nas corporações mercantis, faz-se de tudo para que as pessoas se tornem grandes consumidoras de produtos, de modo a garantir o lucro dessas corporações.
            Só uma sociedade, de fato, democrática, pode admitir uma educação para a liberdade, uma vez que uma boa democracia não tem medo da crítica, sabedora de que a crítica fortalece a sociedade. A sociedade democrática, ao contrário da sociedade autoritária, convive com a diversidade, admite incluir todos, dialoga com opiniões contrárias, etc. A sociedade democrática pode difundir uma educação que torna as pessoas livres para escolher seus caminhos, com a responsabilidade de responder pelo bem-estar de todos.